domingo, 3 de abril de 2011


Bia e Mascarenhas

Eram nove horas e o Mascarenhas saia de casa bastante atrasado, coisa que o incomodava profundamente em razão da irritação que gerava no trânsito...odiava fazer as coisas correndo. Achava que a razão de dar tudo errado e seu dia ir por água abaixo era inevitável. Embora Nesses dias tivesse absoluta certeza que, lá em cima, alguém conspirava contra ele.
Embora Bia, sua esposa, tentasse de tudo para acalmá-lo, saiu de casa sem beijo, sem muitas palavras e suando no calor das ruas de Copacabana.
Lá era atendente de loja de confecção no Leblon e seu horário era muito mais flexível,....femininamente flexível.
Enquanto Mascarenhas explodia no trânsito da Nossa Senhora de Copacabana com a Princesa Isabel, Bia voltava ronronar sob os lençóis da cama mais alguns minutos.
Tinha 38 anos, carioca de São Gonçalo. Estava no auge de sua beleza tratada pelo sol e pelo mar do posto seis. Fogosa, corpo roliço, só andava com vestidos chamativos com enormes decotes que, por assim ser, arrebentava corações e paixões de padeiros, porteiros, bombeiros, vizinhos e mais uma procissão de fieis.


Já tinha adormecido novamente quando a campanhia toca e encurta sua liturgia do seu despertar. De camiseta e calcinha escorrega pelas bordas da cama e grita....
-Quem é ?
- É a dona Maria do 31, Dona Beatriz.
- Péra,...cadê a porra da chave?....onde foi parar?...Péra aí dona Maria!
Abre a porta e vê um rosto gordo, eternamente suado e com perfume alfazema. Dona Maria, com ar de piedade e sem permitir um bom dia sai falando:
-Dona Beatriz, queria pedir um favorzinho. Estou com um sobrinho de São Paulo que precisa encontrar um amigo do colégio no Leblon. Como sei que a senhora trabalha prá aqueles lados gostaria de pedir a gentileza de acompanhá-lo quando sair pra trabalhar...pode ser?..
-Claro dona Maria. Pede pra ele subir que já vamos sair. Vou tomar um banho rápido, mas deixo a porta aberta, ok?
-Muitíssimo obrigado Dona Beatriz, Deus te ajude.
- É, tô precisando de um aumentinho no salário...!
- Não peça coisas materiais dona Bia, Ele atende coisas do coração...! É assim que será!
- Vá lá...chame seu sobrinho, ok?
Bia percebeu que não seria privilégio do Mascarenhas ficar mau humorado naquela manhã.
Já que a manhã começou meio do avesso, resolveu tomar um puta banho pra ver se, ficando radiante, a manhã também ficaria. Que sabe provocasse uma cantada simpática na esquina.
Abriu o chuveiro e desse banho, nuvens de vapores perfumados saiam em profusão daquele Box. Shampoos para cabelos ressecados, sabonete hidratante com óleos de ervas (só dela, nada de Mascarenhas naquele sabonete), condicionador de rosas, e cremes de banho para o corpo.
Desligou o chuveiro e, embora mal enxergasse a ponta do seu nariz de tanto vapor, já se sentia poderosa novamente. Nenhuma dona Maria ou um menino chato atrapalharia seu bom humor.
Fora do banheiro e de frente para o que parecia ser o espelho (ainda não via nada à frente) manteve roteiro dos cremes pós banho. Alisava-se do dedão do pé até a ponta da orelha. Tudo com certo toque de afetação e sensualidade, antecipando a cantada da esquina e, maldosamente requebrando para destruir o coração de sua presa.
O vapor ia dissipando e suas abluções matinais também. Com espelho mais visível à frente, Bia sentia-se maravilhosa, radiante....mas...pensou...mas...mas o que é isso? A porta do banheiro aberta e uma figura sentada no sofá defronte para ela.........Mascarenhas? Esse safado ficou louco e voltou pra casa me atazanar?
Com as mãos empurrava o vapor para enxergar melhor...- Mascareeee....quem é você?
-Sobrinho da Dna Maria...que banho hein?
- Mas você não é ...amigo, colega do colégio? – MENINO!
Ele se levantou e foi em sua direção dizendo, “Fabio, tenho 23, mas para você posso ser menino, criança ...”. Para o Fabio as portas abertas e o banho foram um convite inquestionável..., o gingado em frente ao espelho era um plus da mulher carioca de que tanto falam.
A Bia se resignou as circunstâncias impostas pela vida, pela intervenção Dele, pelo poder de sua sensualidade e pelas mãos do rapaz.
Como sempre, ainda mal humorado, Mascarenhas chega mais cedo do que bia. Joga o paletó suado sobre o sofá Vai direto à geladeira para pegar uma cervejinha e vê sujas duas xícaras de café na pia e diz...”pô... mas a Bia nem pra lavar a xícara!”
E em um único momento do dia em que sua vida fica em perspectiva, liga a tv, esperando a hora do jogo do Vasco.
rbg 03/04/11

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GRAVURAS

O gravado constitui uma das minhas principais formas de expressão. Fascinado pelos gravadores do expressionismo alemão, sempre imaginei alcançar a magia de reproduzir um desenho com a delicadeza de Otto Mueller (1874-1930) ou a crítica social de Grosz (1893-1959), Otto Dix (1891-1969), ou o próprio Ernst Ludwig Kirchner (1880–1938) fundador da Die Brücke * ( a ponte).
A forma gráfica definida pela gravura do expressionismo alemão não resultou, de maneira imediata, na tentativa de seguir a técnica. Ela se manifestou pelo Kiri -ê, no qual o artista realiza suas ilustrações por meio do gravado em papel. A técnica é originária da China onde é executada em papel de arroz e deve manter estrutura original do suporte.
Entretanto o que me interessou foi o resultado plástico obtido com a técnica, empregando papeis mais grossos e negros. A solução de superfícies e linha se assemelhava fortemente com as gravuras dos artistas alemães.

Em 1983 e 1987, realizei duas exposições com desenhos realizados com esta técnica no papel no Centro Cultural São Paulo e no Franz Café. Nesse período tentei a reproduzir os trabalhos por meio de serigrafia, os quais resultaram impressões surpreendentes. A partir de então, estas serigrafias passaram a me estimular a tentar uma gravação usando o mesmo método de impressão que utilizava para a xilogravura (impressão usando pressão por meio de uma colher sobre papel de arroz). Entretanto o sonho de usar papel como matriz, só veio se concretizar em 2008.
A técnica me fascinou uma vez que não era necessário grande recurso na compra de madeira ou goivas e, ao mesmo tempo, poderia ser praticada por qualquer pessoa. Para esta técnica bastava um bom estilete, um cartão (papel com 400g) e criatividade.
Evidentemente, a durabilidade da matriz de papel é muito menor que as demais matrizes convencionais. Entretanto, como já mencionei, é muito prática e com características expressivas particulares.
Tal como a xilogravura em cortes de topo ou de fio, a experiência com outros materiais, em decorrência de sua resistência ao corte das goivas, definem um resultado específico para a gravura. Algumas destas experiências podem ser vistas nas imagens abaixo.


*Grupo de artistas expressionistas alemães formado em1905 em Dresden

rosto de homem

rosto de homem
gravura com matriz de papel - 2008

homem

homem
Xilogravura - 2006

ribeirinha

ribeirinha
xilogravura - 1986

perfil

perfil
Xilogravura - 1984

mulher apoiada

mulher apoiada
gravura com matriz de papel - 2008

Sangue

Sangue
Foto Rogerio Bessa Gonçalves (2003) - Edifício Copan - Arq. Oscar Niemeyer - São Paulo

Balanço

Balanço
Foto Rogerio Bessa - 2004 - Museu Oscar Niemeyer - Curitiba

Foto Rogerio Bessa (2005) -Viaduto Sta. Efigênia - São Paulo

Foto Rogerio Bessa (2005) - São Paulo

Lilás

Lilás
Foto Rogerio Bessa - 2005 - Avenida São Luiz - São paulo

ontem

ontem
Foto Rogerio Bessa (2005) - São Paulo

sugar bread

sugar bread
Rio - 2008

copan

copan
Foto Rogerio Bessa (2005) - São Paulo